“O Brasil inexoravelmente sempre caminha para esse tipo de negociação. Nós não conseguimos nos livrar do passado, e o nosso passado é conciliador”, afirmou. Para o jurista, a lógica da conciliação histórica brasileira costuma beneficiar setores golpistas e privilegiados, nunca as forças democráticas ou os mais vulneráveis. “Fazer conciliações... Me diga que vantagem há até hoje para os pobres, a esquerda, o campo democrático?”, questionou.
Streck destacou que a tentativa de golpe foi o episódio mais grave desde o AI-5, instituído em 1968. “Esse é o processo mais grave e o episódio político mais relevante dos últimos 60 ou 70 anos. E não pode ficar impune, porque eles darão outro golpe”, advertiu.
O jurista, que participou da elaboração da atual legislação que tipifica o crime de tentativa de golpe de Estado, fez duras críticas à entrevista do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, publicada em O Globo. Segundo Streck, Barroso abriu uma porta perigosa ao mencionar que o Parlamento poderia propor a redução das penas. “Quando ele diz, fala o presidente da Suprema Corte. E quando ele fala, pronto...”, afirmou. “Se até o Supremo admite, se até o presidente [fala], por que o resto não falaria?”
Ao comentar os efeitos práticos de uma possível nova legislação, Streck explicou que, caso seja aprovada, a norma poderá retroagir para beneficiar os condenados. “Todos se beneficiam, porque a lei retroage para beneficiar”, disse. O jurista classificou essa possível mudança como uma “leistia por vias transversas”, ou seja, uma anistia disfarçada de revisão legislativa.
Ele também criticou a tentativa de transformar os envolvidos nos atos golpistas em vítimas. Citou o caso da mulher conhecida como “a golpista do batom” e alertou para o uso das manchetes e da linguagem performática na criação de narrativas públicas que buscam atenuar a gravidade das ações. “Essa narrativa foi perdida. E nesse momento já se consolida um segundo momento que me parece inexorável.”
Sobre o impacto futuro de tal movimento, Streck foi direto: “Nenhuma democracia sobrevive se não pune exemplarmente quem tentou acabar com ela.” Segundo ele, permitir a redução das penas dos executores do golpe, em detrimento de punições mais severas apenas aos mandantes, comprometeria o princípio da responsabilidade igualitária. “Se os executores matarem pessoas, terão pena menor do que aquele que mandou metralhar? Isso é bizarro em termos jurídicos.”
Para Streck, a proposta legislativa em gestação não atende a um interesse técnico ou jurídico legítimo, mas sim a um movimento simbólico e político de recuo. “Estamos discutindo a simbologia do que significa recuar. E a palavra é recuo.”
No
encerramento, o jurista reiterou o perigo da omissão diante do crime
mais grave possível em uma democracia. “Não foi um arrastão de
supermercado. Foi uma tentativa de golpe de Estado, que é a coisa mais
grave numa democracia. Essa é a questão.” Assista: