Caiu como uma "bomba" no universo jurídico piauiense o pedido de afastamento da juíza Gláucia Macêdo, da 98ª Zona Eleitoral de Teresina, do processo envolvendo a vereadora de Teresina Tatiana Medeiros, supostamente acusada da prática de crimes de organização criminosa, corrupção eleitoral, lavagem de dinheiro, peculato e falsidade ideológica. A magistrada alegou razões de foro íntimo para o afastamento.
Observem que isso é gravíssimo! Foro íntimo impõe e implica em parcialidade do(a) magistrado(a)! É máxima em Direito!
No caso concreto, antes de se julgar suspeita por razões de foro íntimo, a juíza referenciada recebeu a denúncia contra a vereadora e demais réus. A questão nos remete a uma análise aprofundada. Afinal, atos produzidos por juiz(a) suspeito(a) não geram direitos no mundo jurídico, que implicam, necessariamente, atos nulos "pleno jure".
No processo judicial, seja ele cível ou criminal, um dos aspectos mais importantes para a garantia das decisões é a atuação de um(a) magistrado(a) isento(a), que não tenha relação questionável no bojo do processo, seja em relação às partes ou em questão instrutória pretérita ou superveniente.
Christiano Fragoso, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da UERJ. membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros, mostra a importância da imparcialidade do juiz, segundo qual "um dos atributos elementares, verdadeira 'condito sine qua non', para o legítimo exercício da atividade judicante é, indubitavelmente, a imparcialidade. As garantias constitucionais de que um cidadão só pode ser processado e sentenciado pelo juiz competente (art. 5.º, LIII, CF) e de que não haverá juízo ou tribunal de exceção (art. 5.º, XXXVII, CF) são emanações da exigência básica de imparcialidade do juiz".
Decisão que recebe a denúncia tem que ser fundamentada. E não pode ser produzida por juiz(a) parcial, sob pena de nulidade. Parcial é aquilo que corresponde a parte de um total, ou seja, que pertence a um todo. Um juízo parcial é considerado injusto e incorreto, pois apenas analisa parte de uma situação, ignorando o ponto de vista geral desta.
A imparcialidade do(a) juiz(a), todo bom profissional do Direito sabe - seja magistrado(a) ou não - que a imparcialidade é pressuposto de validade do processo, devendo o(a) juiz(a) colocar-se entre as partes e acima delas, sendo, pois, a primeira condição para que possa o(a) magistrado(a) exercer sua função jurisdicional.
Cesare de Beccaria, em seu clássico “Dos Delitos e Das Penas”, assevera com extrema proficiência: "O juiz torna-se inimigo do réu, desse homem acorrentado, à mercê dos tormentos, da desolação, e do mais terrível porvir; não busca a verdade do fato, mas busca no prisioneiro o delito, e o insidia, e se considera perdedor se não consegue, e crê estar falhando naquela infalibilidade que o homem se arroga em todas as coisas. Os indícios para a captura estão em poder do juiz; para que alguém seja provado inocente deve antes ser considerado culpado; chama-se isso processo ofensivo, e são esses quase por toda parte da Europa ilustrada do século dezoito, os procedimentos criminais".
O Pacto de São José da Costa Rica, em seu art. 8º, I, dispõe: "Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ele, ou para determinarem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
O eminente processualista Geraldo Prado observa que a Corte de Estrasburgo assinala que a confiança do cidadão nos Tribunais de Justiça está, em grande parte, baseada no princípio da imparcialidade. Em igual sentido tem se pronunciado a Corte Internacional de Direitos Humanos (CIDH), para qual a parcialidade, sem embargo de observada apenas objetivamente, invalida por completo o processo penal.
Não é e nem será somente substituir a magistrada por outro(a) signatário(a), dado que o caráter de imparcialidade é inseparável do órgão da jurisdição. A capacidade subjetiva é a qualidade de que o(a) juiz(a) possa agir de acordo com o princípio da imparcialidade. A incapacidade subjetiva do juiz(a) origina-se da suspeita de imparcialidade e afeta profundamente a relação processual. Para assegurar a imparcialidade do(a) juiz(a), a Constituição Federal de 1988 estipula garantias e estabelece as vedações.
A suspeição, no caso concreto, produz a incompetência para conhecer e julgar a ação. Impossível conduzir-se um processo, seja cível ou criminal, com a gritante pecha da suspeição! Que nulifica, claro, o processo a contar do primeiro ato em que houve intervenção do(a) suspeito(a). Assim, processos conduzidos por juízes(as) suspeitos(as) devem ser anulados e/ou nulificados desde a primeira intervenção do(a) magistrado(a).
Mais grave ainda! No processo com juiz(a) suspeito(a), os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa são afetados de morte! Caracteriza, inclusive, cerceamento de defesa quando a instrução é conduzida por juiz(a) suspeito(a). Haja vista que contaminam os elementos de prova. E, por fim, macula e vicia o julgamento da causa desde o seu nascedouro.