A crise jurídica da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) rompeu as fronteiras do Brasil e já chegou oficialmente ao Parlamento da Itália. Nesta quarta-feira (4), o deputado italiano Angelo Bonelli, da Aliança Verde e Esquerda, apresentou um ofício formal solicitando que o governo italiano adote medidas urgentes para impedir que a Itália se torne refúgio para a parlamentar brasileira, condenada a 10 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Bonelli endereçou a interpelação a três ministros: Antonio Tajani (Relações Exteriores), Carlo Nordio (Justiça) e Matteo Piantedosi (Interior). No documento, ele pede que o governo ative imediatamente os mecanismos previstos no tratado de extradição entre Brasil e Itália, firmado em 1989 e em vigor desde 1991, para garantir que Zambelli responda pelos crimes na Justiça brasileira.
Revogação de cidadania na mesaMais do que defender a extradição, Bonelli foi além. Ele propôs que o Parlamento italiano abra um debate sobre a possibilidade de revogação da cidadania italiana de pessoas condenadas por crimes graves, como tentativa de golpe de Estado, crimes contra a humanidade e incitação à violência contra a ordem democrática.
A motivação veio das próprias declarações públicas de Zambelli, que afirmou à CNN que pretende fugir para a Itália, alegando ser intocável lá por ter cidadania e passaporte italianos. “Podem até colocar a Interpol no meu encalço, não me farão sair da Itália. Sou cidadã italiana e sou intocável lá, a menos que a Justiça italiana me prenda”, disse.
Bonelli rebate alegações da deputada
O parlamentar italiano rebate no ofício que o tratado bilateral permite, sim, a extradição de cidadãos italianos em casos específicos, especialmente quando se trata de crimes que não são de opinião ou políticos, mas sim ataques ao funcionamento da democracia, como é o caso de Zambelli.
Bonelli cita no documento os principais crimes pelos quais a deputada foi condenada ou responde no Brasil:
Além disso, Bonelli lembra que Zambelli já foi considerada inelegível pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo por oito anos.
Cidadania como escudo?
O caso reacende um debate delicado na Itália sobre o uso da cidadania como possível escudo jurídico para quem busca escapar da Justiça de seus países de origem. No próprio ofício, Bonelli sugere que futuras reformas da legislação italiana devem incluir a possibilidade de cassação da cidadania para indivíduos condenados por atacar regimes democráticos.
Bolsonaro também na mira
Esta não é a primeira vez que o deputado Bonelli se posiciona contra figuras da extrema direita brasileira. Em março, ele apresentou questionamento semelhante à primeira-ministra Giorgia Meloni, questionando se a Itália havia concedido cidadania italiana a Jair Bolsonaro ou à sua família. Bonelli alertou que seria uma “gravidade inaudita” acolher alguém acusado de tentativa de golpe.
O parlamentar também questionou se a Itália estaria se tornando um “refúgio da internacional soberanista”, uma referência à aliança global de movimentos de extrema direita.
E agora?
O governo italiano terá que responder formalmente à interpelação, detalhando quais medidas serão tomadas em relação a Zambelli. Caso siga a solicitação de Bonelli, a Itália poderá colaborar com a Interpol, cumprir o tratado de extradição e até abrir discussões sobre mudanças na legislação de cidadania.
O desfecho pode se tornar um importante precedente internacional sobre como as democracias lidam com fugitivos condenados por ataques ao Estado de Direito.